O CURRAL NOSSO DE CADA DIA artigo de opinião por Daniel Filho

O CURRAL NOSSO DE CADA DIA artigo de opinião por Daniel Filho

O filme nacional Currral (2000), disponível na Netflix, mostra por dentro os bastidores de uma campanha política a prefeito e vereador em Gravatá. Chico Caixa é o protagonista que vai se desencantando e vendo seus ideais entrando em conflito com a percepção das decisões sujas que precisa tomar durante a campanha. Na cena final (alerta de spoiler) a personagem joga para a população todo dinheiro que seria usado para reeleger o prefeito e eleger seu candidato a vereador.

A VIDA IMITANDO A ARTE OU ESTRATÉGIA POLÍTICA?

Em Cândido Mendes, Maranhão, o vereador Sababa Filho (PCdoB), fez um discurso de renunciaria ao cargo, mas não sem antes “mostrar o quanto é honesto”. Ao final afirma que o prefeito Facinho (PL) teria enviado a ele R$250 mil reais para que ele desistisse do mandato e, consequentemente, um aliado do prefeito assumiria. O dinheiro teria sido entregue por um empresário amigo da família do prefeito.

O vereador, com discurso populista dizendo temer pela própria vida, encerra o discurso jogando o dinheiro pela janela para a população.

Em Petrolândia, sertão de Pernambuco, tivemos uma cena bem parecida com exceção da distribuição do dinheiro jogado para o povo em frente a câmara, mas prometida pelo vereador. Vamos relembrar?

O ENREDO SE REPETE

Montagem: Brasil de Fato

Em 1 de Janeiro de 2021, portanto no primeiro dia de mandato, o vereador Said Sousa (PODEMOS) fez vídeo expondo uma grande quantia de dinheiro (cédulas de R$50 e R$100) afirmando ser tentativa de suborno, mas, como ele se declara muito honesto, exigia (mesmo tendo recebido) que fossem buscar de volta ou ele jogaria para a população.

Na noite da posse foi também decidida por votação a presidência da Câmara de Vereadores onde, por 1 voto, Dedé de França (MDB) venceu Joilton Pereira (PTB). Justamente 1 voto a diferença, Said Sousa.

Nosso portal não apenas noticiou, mas fez os questionamentos necessários: Por que não denunciou? De quem era o dinheiro? Quem entregou? Por que recebeu? A recepção de dinheiro ilícito também é crime. Nosso trabalho passou a ser odiado e destratado publicamente pelo parlamentar desde então.

Seu falso espetáculo de “honestidade” não passou despercebido pelas autoridades, assim como não deverá passar o vereador de Cândido Mendes. O MPPE, através do promotor Filipe Coutinho, autorizou busca e apreensão na casa de Said, no entanto a Polícia Civil não encontrou o dinheiro. Em depoimento o vereador disse se tratar de notas falsas produzidas em uma lan house para gravar o vídeo num tom “educativo”. Na prática trocou um crime por outro, afinal produzir notas falsas também é crime.

A investigação segue sem novidades. Os vereadores, mesmo tendo suas idoneidades postas em xeque com a “denúncia que não denunciava”, votaram, por unanimidade, pelo arquivamento do caso (alguns sentem o reflexo dessa decisão até hoje).

SAID RECONHECE O CRIME?

Por áudio em um grupo de Whatsapp da cidade o vereador resolveu fazer uma análise do caso do Maranhão:

Guardem esse áudio… é arriscado a comissão de ética cassar esse cara, ministério público cassar por corrupção passiva, ativa… Só de ele ter recebido o dinheiro já configura crime (…) se ele tivesse recebido e devolvido no outro dia era crime do mesmo jeito. Era pra ele ter feito o seguinte: gravado, chamado a polícia e na hora todo mundo ia preso.”

O vereador, pelo áudio, assumiu o crime que cometeu ou testa a inteligência, paciência e memória do povo? Como o vereador bem sugere no áudio: “Vamos acompanhar esse caso bem de perto.”

SEMELHANÇAS NOS DOIS CASOS

“Se o dinheiro é do povo, vou jogar para o povo!” é falácia. Na prática o que aconteceu nos dois casos? Ambos acabaram fazendo o que suas respectivas denúncias diziam estarem sendo forçados a fazer: No Maranhão era a renúncia ( segundo sua denúncia o suposto suborno era para que ele desistisse do mandato), o outro foi o voto que decidiu quem vencia o pleito (por que não se absteve, já que não compactua com corrupção?).

Nos dois casos as semelhanças mostram um modo de operar: aceita-se o dinheiro que, supostamente, não aceitariam por não serem desonestos; fazem discurso populista para dar “atestado de honestidade” denunciando sem denunciar (quem entregou o dinheiro? Como? Quando? Onde? Por que não chamaram a polícia para fazer o flagrante e, aí sim, fazer o correto?); fazem o que se esperava que o suborno fizesse (renúncia e voto decisivo, respectivamente), conquistam uma “blindagem” da própria segurança, pois deduzem que tornar pública a situação de forma folclórica atrai a atenção de autoridades e, naturalmente, intimidam os possíveis agentes da corrupção a tentar algum atentado e, claro, o principal, jogam a narrativa de heróis honestos para a população no intuito de seguirem vencendo as eleições.

No caso maranhense o vereador pelo menos indicou o motivo e o autor da suposta corrupção ativa. Já em Petrolândia o caso vai completar 4 anos sem a população saber quem enviou o dinheiro, pra que era e que fim levou os valores recebidos como propina.

O curral eleitoral de quando em vez muda um pouco suas características, mas segue sendo curral…

Daniel Filho é professor, escritor, produtor cultural e criador do Blog Gota D’Água, atualmente Portal da Gota.

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