Em partidos políticos que acontecem a democracia interna, ou seja, seus filiados têm direito a vez e voz nas decisões partidárias, é comum haver discordância, formarem-se grupos com teses e correntes ideológicas divergentes que, em plenárias, debates e encontros, apresentam os pontos de vista, veem esgotar os argumentos, para, então, tomar o encaminhamento e se votar em uma proposta a dar rumo aos dirigentes e militantes sobre desafios que virão.
Em Pernambuco o Partido dos Trabalhadores (PT), para as eleições 2022, seguiu a orientação nacional e definição estadual de retorno da aliança ao Partido Socialista Brasileiro (PSB) formando a Frente Popular com o objetivo de eleger Lula (PT) presidente, Danilo Cabral (PSB) governador e Teresa Leitão (PT) senadora, mas não vem tendo a “obediência partidária” respeitada.
A saída de Marília Arraes do partido para se lançar candidata ao governo do Estado pelo SOLIDARIEDADE fez com que a decisão pela aliança venha sendo combatida por um grupo de filiados, entre eles dirigentes, lideranças, políticos de mandato, de forma mais veemente e mesmo ousada, pois usa siglas, cores e simbologias (como o oPTei) para não apenas desrespeitar a proposta, mas fazer soar ao eleitor lulista que Marília Arraes é candidata de Lula no Estado.
Estratégia que, até aqui, vem dando certo. A maioria dos eleitores não sabem da sua saída do partido, como mostrou pesquisa divulgada pelo JC (link ao final). A pré-candidata se beneficia desse fator, da forte imagem ainda ligada ao partido e Lula, à aliança que, nacionalmente, permite ao SOLIDARIEDADE usar a imagem do petista e ao desgaste natural de anos de governo PSB.
Toda essa confusão aprofunda o desafio e a encruzilhada à direção estadual do partido.
Estatutariamente (artigos 227, 228 e 234) é prevista penalidade e mesmo a expulsão por infidelidade partidária e a direção partidária vem apontando tomar esse caminho, como vazado em diversos blogs de notícias e como já vem fazendo o próprio PSB com alguns de seus quadros. O que precisarão avaliar é se a atitude estanca ou amplia a sangria. Se fortalece ou fragiliza o palanque da Frente Popular.
EXPULSAR OU NÃO EXPULSAR: EIS A QUESTÃO
Em “Microfísica do Poder”, o filósofo e teórico francês Michel Foucault apresenta uma série de estudos e avaliações sobre o exercício do poder. Compreendendo o partido nessa esfera, vale destacar o trecho:
“A noção de repressão é totalmente inadequada para dar conta do que existe justamente de produtor no poder (…) Se o poder fosse somente repressivo, se não fizesse outra coisa a não ser dizer não, você acredita que seria obedecido? O que se faz com que o poder se mantenha e que seja aceito é que ele não pesa só como uma força que diz não, mas que de fato ele permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz discurso (…) uma rede produtiva”
Não punir abre ainda mais brecha para novas dissidências e o partido virar mera sigla de aluguel, “onde cada um faz o que quiser e convir”; já punir com expulsão forja “mártires” que forçarão a narrativa da “perseguição” e que, definitivamente, não terão, na prática, qualquer problema com a decisão, visto que a aliança com o PSB não vem dando respostas sociais e políticas convincentes a essas bases. Como disse Foucault, não produziu uma rede produtiva, muito menos induziu ao prazer.
Soma-se à encruzilhada da decisão uma sequência conturbada de alianças e rompimentos com o PSB no Estado, na capital e diversos municípios desde 2002. As divergências sempre existiram, mas foram ficando cada vez mais evidentes nas eleições de 2012, 2014, 2016, 2018 e 2020. Seja no Estado ou municípios em todas houve rompimento e retorno, grupos prós e contras.
Quando houve disputa interna com vitória de um posicionamento foram flagrantes diversos dirigentes e setores a não obedecerem a determinação partidária (e não só não serem punidos/expulsos como se manterem em seus espaços de poder).
Marília Arraes, em 2018, pode, sem punição, apoiar a então candidata a governadora Dani Portela (PSOL), enquanto no Estado o PT estava com aliança formada com o PSB. Já na disputa municipal de 2020 em que Marília concorreu à prefeitura do Recife contra o primo João Campos (PSB), não foram poucos os filiados e dirigentes petistas que escolheram votar e fazer campanha para João Campos, vide Oscar Barreto, atual Secretário de Cultura do Estado, contrariando, então, a decisão do partido. Fora dezenas de outros casos em municípios e eleições afora.
As constantes “vistas grossas” deu fôlego para o atual movimento que, até aqui, vem dando o tom da campanha com muito mais disputas de narrativas do que de reais e profundos argumentos.
O PT estadual irá fazer valer o estatuto? E por que não o fez antes? É possível o fazer a partir de um marco zero cortando na própria carne? Como? O que e quanto se ganha e se perde na balança com dois pesos e duas medidas a mediar as decisões até aqui? Qual o futuro do partido quando suas decisões internas não mais valerem como regra e sim como “opção” a quem bem convir?
A disputa, que deveria ser tratada e decidida internamente, agora é jogada constantemente “para fora”. Resta saber como os resultados colhidos da decisão (expulsar ou não expulsar dissidentes) refletirão “para dentro” da instituição partidária estadual nesse e nos próximos pleitos.
MATÉRIAS RELACIONADAS
https://www.uol.com.br/eleicoes/2022/05/16/parana-pesquisas-governo-de-pernambuco-16-de-maio.htm